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Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

"Tu tens poesia..."

Sendo poesia na forma de ser!

Sobre o âmago, a essência e a plenitude das coisas. Sobre as noites frias e solitárias. Sobre o vazio e a solidão. Sobre o medo. Escrevo repetidamente sobre todas estas coisas que me invadem o pensamento e a alma. Escrevo-os de uma forma vivida, como quem o sente e não como quem o aprende. Escrevo-o, tantas vezes, sobre forma de repulsa, de exteriorização, sob o desejo de expelir o que dentro de mim vive.

 

A vivência de cada um, a forma como vive e sente as coisas, é num todo diferente de individuo para individuo. A semelhança pode ser idêntica, mas a forma própria, a dor de seu nome, não é, nunca, igualada por dois seres. Amamos de mais ou de menos, sentimos forte ou somos suficientemente fortes para não o sentir de tal maneira. Assemelham-se sentimentos mas as coisas propriamente vividas e sentidas são vistas de forma diferenciada.

 

A possibilidade de escrever sobre aquilo que sinto de forma fantasiada ou verídica, é um dom que me foi dado e que tantas vezes eu guardo dentro de mim com o medo de me tornar repetitivo e chato. Mas a verdade é que em cada palavra escrita, um grilhão se solta dentro de mim e não me interessa a forma como cada um sentirá o que escrevo, porque somos, como disse anteriormente, diferentes.

 

Hoje poderia escrever sobre o silêncio e a tristeza que me assolaram nesta última noite ou sobre os temores que tenho diariamente em mim. Poderia escrever sobre coisas tão belas como as verdadeiras cartas de amor, como as palavras tantas vezes ditas em silêncio. Poderia escrever sobre a falsidade de cada palavra por vezes dita ou escrita, ou sobre um tema qualquer que esteja hoje na linha da frente. Mas aquilo que hoje me levou a sair de casa, já noite, sentar numa esplanada, de casaco de inverno vestido, bebericando uma cerveja, foi uma frase que me foi dirigida que não me sai da cabeça.

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De forma verdadeira ou falsa, hoje alguém me disse: “Tu tens poesia no modo de ser!” A minha reação natural, que quem me conhece sabe perfeitamente que sempre a tenho, é a negação e o agradecimento. Em toda a minha vida tenho-me diminuído em relação aos outros, talvez numa busca de humildade total. Não se trata de palavras que tantas vezes as descodifico de forma falsa, mas de a força que uma simples frase bateu em mim. Disse, para os meus botões até, que tinha sido das coisas mais bonitas que me haviam dito em toda a minha vida: “Tu tens poesia no modo de ser”...

 

A minha busca constante e talvez irritativa tem sido um pleno estado de humildade que por vezes se torna demasiada ou, por outras palavras, excessiva. Tenho em mim muita falta de confiança mas ao mesmo tempo receio o excesso de confiança, temendo tornar-me arrogante e desagradável. Mas se por um lado temo uma transformação drástica, por outras vezes caio no erro de nunca me achar suficientemente bom em alguma coisa. Sempre vivi, na boca dos outros, pelo satisfaz, pelo assim assim, pelo “hã...”. Raras vezes chegaram aos meus ouvidos ou a meus olhos palavras boas. Ou talvez eu continue a ser cego e somente deseje a aprovação por parte de pessoas que julgo serem importantes para mim.

 

Vou vivendo diariamente nesta corda bamba, neste desconforto e falta de confiança. A rejeição, a negação ou o simples ato de ignorar, transformam todas as minhas fortes convicções num mero nada. Os meus pilares são facilmente derrubados por palavras de descontentamento, por palavras e atos que são como sismos que derrubam tudo aquilo que por vezes tão dolorosamente construí.

 

Um dia, ainda que ironicamente ou sem grande confiança naquilo que dissera, desejei ser um exemplo para alguém; desejei ser respeitado por quem sou. E eis que surge o excesso de confiança ao pensar que um dia seria mais para alguém. Ou talvez não. Talvez eu tenha algo para me vangloriar, tenha algo de que se possam orgulhar, de que possam tomar como exemplo.

 

E ao fim de tantos rodeios, tantas palavras sem sentido, urge explicar o porquê de hoje simples palavras, que tanto podem ter de falso como de verdadeiro, tanto me terem feito pensar. E a sua explicação não é nada muito extenso ou complicado. Talvez todo este engodo anterior com centenas de palavras, nada de mais seja que especulação ou entretenimento para a explicação de uma simples frase, mas uma frase que me descreve em tanto do que eu sou, aquilo que eu sou.

 

Digamos que eu de poeta tenho muito pouco, que os meus poemas sempre rasaram o rasco. Digamos que a minha poesia é tão pobre quanto a pedra de uma calçada. Porque a minha poesia passa por outros parâmetros que não aqueles que nos são inculcados. A minha poesia passa, em tantas vezes, pelos textos que escrevo, pela forma como tento viver. A minha poesia passa pela minha imagem, pelas barreiras que eu tento derrubar. A minha poesia passa pela forma como eu vejo o mundo e as suas coisas simples e complexas. A minha poesia passa pela palavra que eu tenho sempre pronta para confortar, pelo meu silêncio na altura de escutar. A minha poesia não pode ser descrita como poesia, mas se nenhuma outra palavra me preenche, que então seja poesia.

 

Se em presunção e água benta cada um toma a que quer, neste texto também, cada leitor, a tome como quiser e na medida que quiser. Hoje sinto em cada entranha do meu corpo o grito que flameja como poesia, como preenchimento de uma simples frase. Em cada dia que passa, tomo como certo que eu sou o que sou, que eu, Ismael de meu nome, não posso viver como sendo alguém que é uma mentira a mim próprio. Não posso, não me é possível. E se isto chegou aos olhos de alguém, ainda que de forma verdadeira ou falsa, então eu sou descrito pela simples palavra “poesia”. Sou e serei-o em cada palavra que escrevo, em cada movimento e forma de ser. Sê-lo-ei numa plenitude em total conformidade com aquilo que eu sou. E se isso esbarrar com aquilo que pensam de mim, então eu serei poesia, poesia de revolta, poesia de deceção, poesia de transformação, de ódio, rancor e asco. Mas se em outra medida ou forma qualquer, aquilo que eu sou, como sou e como vivo demonstra algum respeito por mim, algum carinho ou alguma forma de sentir, então eu serei verdadeiramente a minha poesia.

 

Vivi, durante uma dúzia de anos, em conformidade com padrões impostos, com vontades alheias e ao sabor de ventos que sopravam em diversas direções. Vivi alheado de mim mesmo, sem sentido e sem forma de ser. Hoje, como referi já, vivo como sinto as coisas em mim. Vivo não para além de mim, mas em mim. E como aquelas palavras bateram de forma complexa em mim! Como eu as senti no profundo do meu âmago! “Tu tens poesia no modo de ser!

 

Se por vezes as palavras escritas por mim demasiadas vezes deixam de ter sentido, cada vez que na minha cabeça ecoa esta frase, sinto em mim muito mais sentido. “Tu tens...”, eu tenho em mim sentimentos e coisas maiores que nem sempre são fáceis de explicar. Eu tenho em mim, como diria o muy nobre poeta de raça lusitana, “sonhos de mil homens”. Mas deixai-me, por um momento alterar esta frase, apropriá-la a mim: eu tenho em mim sentimentos de mil homens. Tenho-os porque sinto as coisas de forma intensa, de forma cruel, de forma drástica. Sinto a falta em mim de forma demasiado intensa, a tristeza demasiado intensa, a melancolia, a futilidade, o estigma, o estorvo como se de mil homens se tratasse. “Eu tenho...

 

E se me é permitido, uma ou duas vezes mais, gostaria de relembrar a frase de um filme, as primeiras falas do mesmo: “Todos os homens com olhos demasiado tristes são poetas... É preciso ter cuidado com a tristeza, ela fecunda a própria alma, expande-se com a própria vida.” E eu, na minha solidão, sou detentor de olhos tristes e a minha poesia vive dentro de cada célula de mim. Porque “je suis un homme”!

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