Seremos palhaços!
Sem maquilhagem, sem filtros, esboçando sorrisos.
Este meu isolamento social tem tido muitas fases. É verdade que passo os dias em casa e na maioria deles nem sei bem o que fazer. A grande maioria tem sido levantar, fazer almoço, sentar-me no sofá a tarde toda, fazer o jantar, voltar para o sofá e ir dormir. Esta tem sido a minha rotina diária nestes dias em que me vejo impossibilitado de fazer a minha vida normal.
Quem me conhece sabe perfeitamente que ficar em casa sem fazer nada não é nada típico meu. Costumo ter a “agenda” mais que preenchida. Os meus dias são sempre preenchidos e por vezes nem tenho tempo para aquilo que gostaria de fazer.
De segunda a sexta vou trabalhar, depois venho para casa, ginásio, jantar, descansar, ensaios ao sábado de manhã, trabalho por vezes ao sábado à tarde. Algumas noites de trabalho, domingo é dia de ir à missa, ficar com a família, vir para casa, entre tantas outras atividades que costumo ter e que vão preenchendo os meus tempos livres.
Contudo esta quarentena (ou isolamento social, o que queiram), tem dado também espaço a voltar a sentir-me. Tenho dias em que estou profundamente fechado e outros em que estou totalmente radiante. Aquilo que é totalmente típico no Ismael: o 8 e o 80, como tenho ouvido toda a minha vida.
Mas em toda a minha vida tenho interpretado um papel, que não é bem uma máscara: tenho sido palhaço de serviço. Por vezes este termo pode ser encarado como uma expressão de foro negativo, mas hoje quero descrevê-la como algo positivo.
Relembro, enquanto escrevo estas palavras, um filme que vi há uns dez anos quando ainda estudava no secundário, um filme que muito provavelmente todos nós vimos. Esse filme fez uma grande mudança na minha vida, ainda que só agora seja capaz de ver isso. Foram precisos dez anos para perceber como um simples ato pode mudar uma vida.
Todos nós já ouvimos ou vimos o filme “Favores em Cadeia” em que eu faço algo em favor do outro e ele tem, ou não, de o fazer a outras três pessoas. E, na minha sinceridade, deparo-me que esse simples algo na vida de alguém pode ser uma tremenda transformação. Mas nem sempre as coisas que fazemos têm um sujeito concreto. Fazemos certas coisas que nos fazem sentir bem.
Por exemplo, neste isolamento social eu tenho explorado a nova tendência, não só entre adolescentes mas também em graúdos, a nova rede social, se é que se pode chamar assim, não sei bem. Na verdade o TikTok tem preenchido os meus dias na minha versão palhaço. Todos os dias há um pequeno vídeo meu a fazer figuras. Enfim, aquilo que de melhor sei fazer.
Hoje ainda não fiz nenhum porque acordei, fiz o almoço, etc, etc, etc, e não estava sequer para aí virado. De tal maneira que só abri a aplicação para apagar as notificações. Devem estar agora a pensar que eu sou uma figura interessante no TikTok com imensas visualizações. Na verdade a maioria dos meus vídeos lá não chegam às 100 visualizações. Mas faço os vídeos para me divertir, para animar um pouco o meu dia e como sempre, partilho-os depois no Instagram.
Hoje, depois de ter almoçado e estando no meu estado vegetativo à espera que o tempo passasse, recebi uma mensagem de alguém a agradecer-me pelo meu vídeo, porque a faziam rir e a divertiam. Aquilo que é uma simples mensagem tocou dentro de mim e fez-me perceber que não importa as macacadas que faça, não importam os números, a quem chegou ou como chegou. Nada disso interessa: o que interessa, para mim, é que chegou a alguém e fez com que sentisse, nem que fosse por trinta segundos, um pouco mais feliz.
Esta minha ação, que tinha como objetivo entreter-me, foi algo positivo para outra pessoa. E então eu pergunto-me: será que mais alguém se diverte? Será que esse pequeno gesto pode tirar um sorriso? Se sim, porque não continuar? Não preciso de receber mensagens a dizer que gostaram. Preciso sim de na minha cabeça saber que chegou a alguém a mensagem, que uma gargalhada foi solta. E se soubessem como isso é tão bom...
Este tempo em que nos vemos obrigados a ficar em casa pode ser aproveitado de tantas formas e ser também uma doação a todos aqueles que nos seguem, de alguma maneira. Tanto por aquilo que escrevemos, pelo que dizemos ou pelo que partilhamos. Estar em isolamento social não tem que ser uma barreira para irmos ao encontro do outro, antes pelo contrário: temo de ter tempo para nos voltarmos a conhecer, voltarmos a amar-nos e percebermos que não somos nada se não interagirmos com os outros, se não dermos aquilo que somos, se não nos fecharmos em nós e nas paredes que nos rodeiam.
Espero, com toda a minha esperança e amor que pelo menos, uma vez por dia, consiga fazer alguém sorrir, nem que seja por trinta segundos. Nem que seja um simples esboçar de um sorriso. Agora, vou fazer o meu TikTok do dia, partilhá-lo no Instagram e ver um filme, talvez, ou tocar viola para os meus vizinhos.
Tenham um bom isolamento social físico, não se isolem virtualmente. Precisamos de todos e temos de estar para todos.