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Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

Quem é este homem?

Um breve biografia de vivências.

Escrever numa plataforma digital, por detrás de um ecrã, torna-se comummente fácil. Não precisamos dar o rosto, podemos viver numa identidade desconhecida, fazermo-nos passar por quem não somos. Escrever no mundo digital dá-nos uma panóplia enorme de possibilidades. Não fosse a minha fotografia do lado direito deste blogue e eu facilmente me poderia fazer passar por uma pessoa totalmente diferente e incógnita aos olhos de quem me lê. Dar a nossa opinião sobre este ou aquele tema é totalmente fácil; não precisamos de canudos nem de ter estudado, bastando-nos escrever aquilo que a nossa mente pensa, mesmo sem nenhum filtro.

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Quem me segue sabe facilmente quem eu sou, como sou e o que sou. Mas quem não me conhece toma-me por mais um internauta indeciso que percorre vários blogues numa indecisão frustrante. A verdade é que eu também não deixo de o ser.

 

Como referi no primeiro texto deste blogue, para mim cada coisa tem o seu momento, a sua altura de crescer e a sua altura de terminar. Vivo momentaneamente numa intensidade frutífera com vontade de viver tudo de uma vez, caindo no erro de acabar por não viver nada. Cumulo experiências em mim, pensando no quão frutificantes podem ser, mas acabo por nunca as deixar transparecer, por não partilhar essas mesmas experiências, o seu lado bom e o seu lado mau. Vivo para mim e comigo mesmo mesmo. Mas há sempre, dentro de mim, a necessidade da partilha, daquilo que vivo ou não vivo, de como as coisas podem ser boas ou más.

 

Neste momento sinto em mim a enorme necessidade de partilhar neste início quem sou eu, contar um pouco da minha história, mesmo que nenhum sentido tenha.

 

A minha vida nada tem de especial para que seja feito um enorme testamento, para que seja perpetuada pela história, erigido um busto em minha homenagem. Na verdade nem essa é a minha intenção. O meu sentimento de necessidade de partilha é para que de alguma maneira possam assim entender um pouco daquilo que sou e a minha forma de ver o mundo, este mundo onde habitamos.

 

Desde que nasci até ao dia de hoje posso somente referenciar dois ou três momentos na minha vida que tenham toldado aquilo que hoje, no auge dos meus vinte e nove anos, sou.

 

Nasci no seio de uma família como tantas outras, com as suas coisas boas e as suas coisas más. Nasci e fui educado segundo os costumes e valores de meus pais. Não obstante ao facto de ser uma família comum, o meu seio familiar é denotado pela luta e pelo amor uns aos outros. Talvez não o tenha notado no meu tempo de infância e adolescência, mas só agora lhe reconheça esses valores ou características, quando a tribulação passa por nós. Este é, em primeiro lugar, o ponto fundamental que me formou: o esforço e dedicação.

 

Se amor é também deixar partir, senti-o pela primeira vez da parte dos meus pais, quando nos meus doze anos entrei pela primeira vez no seminário, decisão que tinha sido tomada por mim, ainda que criança. Este foi, sem dúvida alguma, o segundo marco mais importante da minha história de vida.

 

Se aos olhos dos simples mortais isto nada mais é de especial, para mim foi o início de uma construção desligada de uma vida confortável. Não quero com isto dizer que a vida que levei ao longo de quase dez anos fosse desconfortável, mas foi o corte com o cordão umbilical, foi o início da minha independência como pessoa, foi o início do meu sofrimento enquanto pessoa.

 

A difícil ou fácil compreensão deste sentimento, deve-se ao facto de eu desde novo ser dotado de uma enorme sensibilidade e de uma dádiva por inteiro ao outro. Aprendi, talvez nos primeiros anos, o quão doloroso poderia ser o darmos-nos em demasia. Aprendi que nem todas as pessoas são de confiança e que alguns se aproximam somente em necessidade. Foi também os anos dos meus primeiros amores, os anos de muitas asneiras e de vícios. Mas toda a moeda tem uma segunda face, por isso, em momento algum poderei afirmar que aquilo que eu vivi durante esses anos, foi maioritariamente negativo. Durante esses anos formei uma identidade multifacetada, consoante os ventos sopravam, mas apreendi muitas outras coisas positivas. As oportunidades e as vivências foram enormes, o esforço e a dedicação, a humildade e o fazer sem esperar o estrelato. Foram anos de sonho, de cultura ímpar e de me conseguir adaptar às diferentes personalidades com que me cruzei ao longo dos anos.

 

Mas este percurso chegou a uma altura em que deixou de fazer sentido. Uma altura em que aquilo que eu desejava ser se esfumou, em que a forma como vivia parecia uma mentira. Uma altura em que o mais além já não se espelhava na minha visão. E se a entrada no seminário, se a vida de seminarista foi para mim um marco importante, também a saída o foi. Foi-o somente por uma razão: caímos do pedestal e deixamos de ser quem supúnhamos ser. O respeito e a forma como as pessoas olhavam para mim deixou de existir, era mais um na rua como tantos outros. Já não existiam os cumprimentos, o convite para tomar um café ou algo do género. Do conhecimento passou-se ao desconhecimento num processo totalmente natural.

 

O aprender a lidar sem o pedestal a que estava habituado, fez-me voltar a aprender, a um renascimento ainda limitado. E se a vida começasse a tomar um rumo, o terceiro momento (ou quarto) fundamental para a criação da pessoa que hoje sou, deu-se aquando da descoberta da doença que me foi imposta, sem que eu a desejasse, sem que eu a aceitasse.

 

É neste momento de confronto com a morte diante dos olhos que realmente começamos a aprender a viver. O último dia da minha vida foi também o primeiro da minha nova vida: o dia em que me diagnosticaram o Linfoma de Hodgkin. Foi nesta altura em que toda a minha vida começou a não fazer sentido: no dia em que vi amigos virarem-me as costas, no dia em que vi que eu não era eu, no dia em que vi e reconheci quanto fui afortunado por ter nascido no seio da família que cresci.

 

Se os pontos anteriores foram importantes, este foi totalmente o momento de viragem na minha vida supérflua e sem sentido. Este foi o momento em que percebi o quanto me havia enganado ao longo dos tempos, o quanto tinha deixado de viver em prol dos outros. Esta foi a época em que eu jurei a mim mesmo que se vivesse para contar a história, que iria viver de uma forma verdadeira e leal para comigo mesmo.

 

Desde então, ao longo destes longos quatro anos, que voltei a nascer e a solidificar-me enquanto pessoa. Deixei de lado os rótulos, deixei de lado os olhares e comecei a viver. Há uma enormidade de passos ainda a serem dados, há coisas que eu ainda não conquistei e outras que a força ainda não trouxe. Mas existem momentos, pessoas, aspetos e personalidade que está conquistada. O ser eu não me tem fechado somente portas, mas também me tem aberto outras mais. Se durante vinte e quatro anos eu vivi oprimido por me ver forçado a vestir-me, por exemplo, como os demais, hoje em dia isso tornou-se impensável na minha cabeça. Deixar de usar uma peça de roupa ou um acessório por causa dos olhares que podem surgir, não mais se repetirá. Deixar de dizer aquilo que penso ou defender a minha ideia por causa da mesma ser contrária aos demais, já não acontece. Foram precisos vinte e quatro anos de engano próprio para perceber quem realmente eu sou, quem é esta pessoa que escreve por detrás de um ecrã. Foi preciso uma doença, um confronto cara a cara com a morte para perceber como andava enganado.

 

Hoje ainda não sou totalmente aquilo que dentro de mim grita, pois como já afirmei, há coisas que a força ainda não trouxe na totalidade. Mas sei que esse será um processo breve, que tem levado o seu tempo, o tempo necessário. Hoje, mais que nunca, sei aquilo que quero para a minha vida, como o quero e quem quero. Hoje sei que apesar de ambicionar viver tudo, que as coisas tem o seu tempo, que o mundo não acaba amanhã, mas que o hoje não pode ser desperdiçado. Hoje sei que jamais me irei conformar com os padrões que a sociedade deseja impor-me, que a opressão me deseja calar. Hoje sei o que sou e quem sou. Hoje sei que “je suis un homme”!

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