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Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

Je suis un Homme...

Comme ils disent! Onde tudo tem o seu espaço.

De portas escancaradas...

E as cores pintaram o mundo!

Tenho, desde já a avisar, que este será um texto de muito sentimentalismo. Poderá ser um pouco extenso também, pelo que se estás sem tempo, esta é a altura ideal de deixar de ler. Não tentes ler as coisas na diagonal porque as mesmas não serão compreensíveis sem a leitura na integra. Se neste momento decidiste continuar a ler, então és alguém de coragem ou movido pela curiosidade.

 

A vida nestes últimos meses deu-me, deveras, algumas provas a que me vi obrigado a superar de uma forma grosseira. Por vezes não nos é dada a oportunidade de ficar a viver cada coisa a seu tempo e temos de arrear caminho.

 

Há um assunto do qual eu ainda não falei e que tenho evitado tocar nele nos meus textos e nas minhas publicações, mas volvidos dois meses é altura de o fazer.

 

O meu pai faleceu há dois meses atrás, vítima de Cancro. Quem conhece a minha história pessoal, sabe também que eu fui tocado por essa que é a doença do século. O cancro chega cada vez mais a mais pessoas, todos os dias somos confrontados com essa realidade. O meu pai teve o seu primeiro caso em 2016, um ano depois de saber que eu estava em remissão total. Durante os últimos quatro anos, ele viveu entre curas e retrocessos, entre tratamentos e operações, até que chegou uma altura em que não havia mais nada a fazer, a não ser esperar. Talvez esta perceção de que o fim estaria eminente me tenha conformado o coração e a altura da sua partida não ter sido tão dura. Tive também a oportunidade de me poder despedir dele, sabendo, no fundo do meu coração, que acordaria com a triste notícia. E assim aconteceu. O meu pai partiu calmo, despediu-se dos seus e da sua casa. Faleceu com 59 anos, no dia 11 de março de 2020. Partiu com a certeza de ser amado. Nunca consegui agradecer de forma pública a quem quer que seja e acho que já não faz grande sentido. Contudo, os gestos de amor e amizade para com o meu pai, a minha mãe, para comigo e com os meus irmãos foi de uma grandeza e pudemos dizer o último adeus todos juntos. O meu enorme bem-haja a todos os que de alguma forma se fizeram presentes. O meu pai era sem dúvida um grande homem, mesmo com os seus defeitos.

 

Depois desta partida, todas as datas são vividas de forma diferente. O dia do pai foi vazio, restando só a lembrança. Entretanto entrámos em estado de emergência e fomos obrigados a permanecer em nossas casas, longe das pessoas. E esse período deu-me a oportunidade de chorar a morte do meu pai e com isso afagar a dor que dentro de mim existia. A saudade permanece e cresce em cada dia até aprendermos a lidar com esse sentimento.

 

O estado de emergência e o distanciamento social foram vividos de uma forma intensa mas onde não fiz tudo aquilo que achava que ia fazer. O tempo era demasiado e a preguiça instalou-se em abundância. Contudo, algumas coisas foram acontecendo e crescendo. Consegui terminar alguns livros, organizar algumas ideias.

 

O tempo passou, deu-se o regresso ao trabalho e a vida começa, agora, a seguir o seu rumo normal, independentemente ainda das restrições que vivemos.

 

Este ano de 2020 é um ano que se toldava já com algum sentimento. Era o ano em que eu concretizava o meu 30º aniversário. Tinha pensado numa grande festa, rodeada de amigos, alguns que não vejo há imenso tempo. Mas o Covid instalou-se e essa festa teve de ser adiada. Independentemente disso, o dia do meu aniversário chegou e foi vivido da melhor maneira possível, muito melhor do que aquilo que eu imaginava.

 

Primeiro tive a surpresa ao bater das doze badaladas, com mensagens de vídeo de diversos amigos, irmãos, pessoas que vivem dentro do meu coração. Apercebi-me de como sou querido por todos eles, pela forma como me acarinharam. Por vezes temos tudo aquilo que desejamos à nossa volta e não percebemos. Continuamos numa busca imensa por algo que já temos e não conseguimos ver. A hora de almoço foi passada com a família e, depois de jantar, fui surpreendido com a entrada de vários amigos cá em casa. Foi muito satisfatório estar de novo com eles, lado a lado, voltarmos a conviver, a falar sobre as nossas vidas e os nossos dramas. Estarmos juntos ajuda a manter vivos os laços que existe em nós, ajuda a sentir-mo-nos bem. E era o dia do meu aniversário, o que me deixou ainda mais alegre. No final só posso agradecer à mulher que vive comigo, à amiga que me suporta, à “esposa” que quando me vê na merda me dá dois safanões e me obriga a recompor.

 

Apesar de tudo havia ainda algo em mim que me impedia de viver de forma intensa este início de década dos trinta. Algo que eu queria ter visto resolvido há demasiado tempo mas que por cobardia ia arrastando no tempo. Na minha cabeça vivia uma mentira, uma grande mentira que eu contava aos outros. Sentia-me a viver uma dupla vida, sem conseguir ser em dois tempos ao mesmo tempo. E esse enorme peso veio a arrastar-se ao longo de demasiado tempo.

 

Talvez este seja um assunto tão banal para outras pessoas mas que para mim se torna um ponto importante na minha caminhada e na minha construção pessoal. A necessidade de uma liberdade enorme, de não ter medos e receios, apesar de eles existirem em outros campos. Esta era uma questão importante para mim e que eu necessitava ver resolvida. E na verdade, penso estar já a repetir-me, mas a ideia de reforço deste pensamento é necessária para mim.

 

Eu nasci a 14 de maio de 1990 e três dias depois a Organização Mundial de Saúde retirava a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Em 2004 é criado o dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, passando a ser celebrado a 17 de maio. E foi este o dia em que 30 anos depois eu tive a coragem suficiente para em palavras dizer à minha mãe que sou gay.

 

Se leram o post anterior, sabem bem como é a senhora dona minha mãe. E hoje ela deu-me ainda mais uma prova disso, de como o seu amor é incondicional e que o sexto sentido não falha. Quem olha para mim, para a minha forma de vestir e assim, consegue perceber sem qualquer problema. E a minha mãe percebeu-o perfeitamente. E eu sabia que ela sabia. Mas eu precisava de ter essa mesma conversa com ela, para que ela ouvisse da minha boca. E então lá tive essa mesma conversa com ela e uma vez mais a minha mãe voltou a surpreender-me: de forma tranquila ouviu o que eu tinha a dizer. Olhava para mim de forma calma, com amor, pelo que eu conseguia ver quando a coragem me deixava olhá-la nos olhos. E foi assim que eu lhe disse de forma aberta e para ela foi como estar a dizer-lhe que estava um dia de sol. Ela disse-me que era óbvio que já sabia, que me amava de forma igual, como a qualquer um dos filhos, que nos aceita como somos. A minha mãe surpreendeu-me por lidar de forma tão bem com o meu segredo/verdade. Surpreendeu-me porque foi uma coisa super natural e que todos esses meus receios foram babuzeiras ao longo do tempo. Horas depois, ligou-me a perguntar se eu tinha ficado desiludido. É claro que eu não fiquei desiludido, amei mais a minha mãe. Mais e mais.

 

Hoje é um dia muito importante para mim e disso ninguém pode duvidar. São 30 anos que vão ser vividos de forma mais verdadeira, de forma mais leve e sem receios. A vida pode magoar-nos muitas vezes, pode fazer-nos duvidar, fazer lutar dia após dia. Mas depois compensa-nos com amor. Com amores importantes, muito mais importantes que alguém pode imaginar. Obrigado a todos, obrigado mãe!

 

Harmonizo as cores do mundo,

Ornamentando-as com poesias,

Musicando a eternidade

Onde sempre reside a saudade.

Serei sempre passageiro,

Serei sempre eternidade,

Existindo na essência do mundo.

Xistosa efeméride de alguém

Urgindo um canto ou sonho eterno.

Alma eterna de amores,

Luar perpétuo de si!

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