Das coisas que não falamos...
pela vergonha que sentimos!
Desde que assumi a minha homossexualidade de forma pública, apesar de toda a gente dizer “já sabia” (é interessante como toda a gente sabe sobre tudo e mais alguma coisa), que a vida tem dado uma volta enorme, ou talvez não. A verdade é que eu sinto uma enorme liberdade em não ter que andar escondido (apesar de não o fazer muito), em poder escrever e partilhar sobre tudo o que quero e sinto. Não sou, na verdade, nenhum ativista que anda de bandeira ao peito, mas sei fazer muito bem o meu papel de “bicha” (termo que nós homossexuais podemos usar mas que quem está fora do mundo LGBT não pode, pois é considerado uma ofensa).
Apesar de toda esta liberdade e de, com os pés bem assentes na terra, afirmar que sou gay, viver dentro desta suposta comunidade não é algo fácil. Penso que já se devem ter escrito mil teses e mil palavras sobre este assunto, mas é algo que ainda está presente nesta suposta comunidade. Ser-se gay não é fácil, ao contrário do que muitos pensam. Tudo aquilo que irei escrever nos próximos parágrafos é sobre a minha experiência e não quer dizer que todos se sintam de forma igual.
Para se ser gay tem de se corresponder a um certo tipo de parâmetros, pelos quais a sociedade nos arruma na gaveta da homossexualidade. Para se ser gay é preciso ter uma certa feminilidade, aqueles “tiques” certos. É preciso usar-se o tipo certo de roupa, ter aquele tipo de timbre certo, andar sempre rodeado de mulheres e adorar compras. É preciso ter-se aquela amiga que conhece outro gay e que acha que são o casal ideal, que se é super sensível e chora por tudo. Para se ser gay também é preciso ter-se aquele tipo de profissão. Caso não se preencham estes requisitos, ninguém desconfia da homossexualidade de ninguém e depois quando saem do armário é sempre uma enorme surpresa (sim, ainda é preciso sair-se do armário).
Já dentro daquilo que se chama “comunidade LGBT” também é preciso corresponder-se a certos critérios ou então não fazes parte! É preciso teres os amigos certos, ter o corpo ideal, ser-se bicha qb, usar o penteado da moda, ser bem visto fora da comunidade e pertencer a um certo partido. Tens de ter um estilo não muito extravagante e estar de acordo com tudo aquilo que acontece e contra tudo aquilo que também acontece.
Mais uma vez, volto a dizer, isto é o meu ponto de vista, a minha experiência.
Esta semana partilhei no meu Instagram uma foto que falava bem sobre a comunidade gay e em como se sofre bulling dentro da comunidade: ou se é muito alto ou muito baixo, muito velho ou muito novo, muito magro ou muito gordo, muito cabeludo ou muito sem cabelo, muito feminino para ser ativo ou muito masculino para ser passivo. E tudo isto vem da comunidade LGBT que continua a dizer: “Sê tu mesmo”. E esta é a forma como realmente vivemos, dentro de uma comunidade que é suposto abraçar em vez de pontapear.
Não tenho intenção nenhuma de estar para aqui a denegrir a comunidade LGBT. O meu único objetivo é sensibilizar para este assunto, demonstrar em como ser gay não é tarefa fácil, a menos que nasças com os atributos todos no sítio.
Relativamente a mim, vou fazer a seguinte análise. Eu tenho 1,78cm, não sou muito alto nem muito baixo. Peso cerca de 65 quilos o que não me torna nem muito gordo nem muito magro. Não tenho um corpo definido, sou careca, tenho barba. O meu estilo escandaliza por onde passo, uso cores, flores, roupa justa e roupa fluída. Odeio a ideia de que a roupa tem identidade de género, pois é só para mulher e só para homem. Leio bastante, tenho uma curiosidade nata, canto umas coisas, toco outras. Vou à missa ao domingo, bebo copos à noite. Tenho o meu qb de feminino e uma dose extra de bichesa. Uso chapéus e bijuteria, tenho botas com saltos e ando de mala. Acredito que distâncias são apenas pormenores e estou sempre disponível para fazer uns quantos quilómetros para estar na companhia de alguém que me interessa. Vou a bares gay e a discotecas (sejam friendly, LGBT, seja uma qualquer). Tenho as minhas ideias, os meus ideais, os meus gostos e coisas que desprezo. Seria um hipócrita se dissesse que não tenho o meu gosto relativamente a outras pessoas, aquilo que mais me atrai ou aquilo que não me diz nada. Como qualquer pessoa normal. A acrescentar a isto tudo estão implícitos outros três aspetos que não podem (nem deixam) ser esquecidos: estive num seminário, tive cancro (e isso está visível no ser careca e no implante que tenho no peito) e fui para a televisão dizer que era homossexual (se tivesse sido no Big Brother ou Casa dos Segredos ou algo assim, já seria diferente).
Infelizmente ainda há quem olhe para mim como um ser alienígena, alguém que não é deste mundo. Não se preocupem, eu também acho isso. O meu tempo não é este ou talvez seja mesmo. Não digo que fui sempre a melhor pessoa à face da terra. Isso seria uma autêntica mentira. Também já tive a minha fase, também já cometi os meus erros. Claro que eu também não gosto de algumas pessoas, das suas atitudes ou da forma como se comportam. Mas sei onde termina a minha liberdade e começa a liberdade do outro.
Sempre idealizei uma comunidade LGBT como forma de apoio, de suporte, de ajuda. Onde realmente pudéssemos ser quem verdadeiramente somos, sem julgamentos ou olhares discriminativos. Um espaço onde pudéssemos ter voz e assim fazer uma voz junta, uma voz forte. Um local de compreensão, onde tivéssemos braços abertos para nos acolher, como um colo de mãe. Mas esta não é a realidade, pelo menos a que eu vivo, onde vivo. Tenho uma prole que me aceita da maneira que sou. Quanto ao resto eu vou continuar a sonhar, continuar a lutar e a continuar a estar de braços abertos para acolher quem precisar, ouvir quem necessitar, ajudar quem quiser se ajudado.
Ser-se homossexual não é fácil, mas quando passas as estribeiras ainda pior. Felizmente conheço casos que salvam a norma e isso deixa-me de certa forma consolado. Mas ainda há muito trabalho a fazer. Juntos seríamos mais fortes, se todos o quisessem...