Amando-nos
A resiliência de uma vida torna-nos, em certas circunstâncias, mais insensíveis ao sofrimento. Sofremos de uma forma, ao longo da vida, que achamos não ser possível sofrer-se ainda mais. Mas a dor vem-nos de uma forma que achávamos não ser mais possível.
Por vezes necessitamos lutar mais e mais, mais do que aquilo que algum dia achamos ser possível. Construímos barreiras em nosso redor, mergulhando numa solidão dolorosa por vontade própria da qual achamos não existir.
Em algum momento da vida questionamos-nos se as diferenças existem realmente. Sempre me achei diferente de todos os demais, mas na verdade sou somente um igual a tantos outros. Talvez tenha olhado demasiado para os demais sem procurar os tantos outros.
Eu não sou diferente de ninguém, sou igual a tantos outros. Eu sou, afirmando uma vez mais, aquilo que sou. Se em algum momento a minha imagem ou forma de ser te incomodou, peço desculpa, mas não irei mudar. Amar-me incondicionalmente é neste momento uma prioridade.
Sinto-me bem na roupa que visto, na forma como penso e nas atitudes que tomo. Sinto-me bem por ir contra a corrente, desafiar-me dia-a-dia.
Desde que amar-me se tornou uma prioridade, a luta que vivo diariamente tem-se tornado mais leve, mais fácil de combater. Amar-me é essencial no processo de desejo de me tornar integro. Enfrentar os outros com a força necessária a não me acobardar tem em si imensas coisas positivas na vida. Hoje posso chorar no meu leito, mas amanhã serei mais forte.
A vida não é fácil para nenhum de nós, a vida não é o sonho que idealizámos. Mas pode ser muito perto, pode ser mais fácil de encarar quando nos amamos. Viver, indefinidamente, em função dos outros, faz-nos perder a luz que existe dentro de nós. Deixamos de ter cor, deixamos de viver. E depois no silêncio, simplesmente não sabemos viver: vamos sobrevivendo.
E mesmo que as dores sejam maiores, que importa isso se o nosso foco é sermos felizes? E se essa felicidade for à custa de muita dor, de muito sofrer, então saberemos gozar cada momento, saberemos gravá-lo na nossa memória, na nossa vida. E, assim, de alguma maneira fazemos também diferença na vida dos outros, deixamos a nossa marca e um dia poderemos ser recordados pelo sorriso e não pela tristeza.
Ser cor, ter luz é um enorme desafio, mas é algo que tem de partir de nós e não de um outro alguém. Qualquer um pode brilhar mesmo mergulhado em prantos de dor. Basta-nos ter uma atitude diferente daquela que esperam de nós. Não se trata de não querer saber, mas de saber que se o foco for diferente, seremos apagados, baços, mortos. E, uma vez mais, os meus sorrisos não significam felicidade, mas sim que ninguém tem de levar com o meu mau estar, com a minha vida infortunada. Nunca sabemos o que vai no além do outro, dentro de quatro paredes. E talvez o sorriso, com coração trespassado de dor, faça toda a diferença.